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Destaques

Começando um novo blog!

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POLLYANNA - CAPÍTULO 22.

Brasil.
Terça-feira, 25 de outubro de 2022.
04:00 da manhã.

SERMÕES E CAIXA DE LENHA.

NO DIA EM QUE Pollyanna falou a Mr. Pendleton sobre Jimmy Bean, o reverendo Paul Ford subiu a colina e penetrou na floresta, esperançoso de que a quietação da natureza acalmasse o tumulto que lhe ia na alma.
O reverendo Ford sofria do coração e de mês a mês, havia já um ano, as condições em sua paróquia pioravam e parecia agora que fosse lá o que fizesse nada mais tinha conserto. A inveja, o ciúme, o escândalo, o desencadeamento das paixões haviam inutilizado todos os seus esforços de paz e harmonia. Nada conseguira.
Dois dos diáconos estavam a ferro e fogo por causa de uma coisa insignificante. Três das mais operosas damas da Auxiliadora haviam-se retirado por motivo de uns mexericos venenosos. O coro desorganizara-se em virtude de um solo dado a certa cantora. Até a Sociedade do Esforço Cristão estava numa fervedeira. A Escola Dominical também mostrava-se agitada e enfraquecida com a demissão de dois dos seus melhores elementos.
Sob a copa das árvores seculares o reverendo meditava. A seu ver o agudo da crise chegara... e algo de decisivo precisava ser feito imediatamente, sob pena de paralisação de todos os trabalhos da igreja. Algo tinha de ser feito. Mas o quê?
O reverendo tirou do bolso as notas escritas para o próximo sermão e releu-as. Era um ataque violento aos maus, aos fariseus, aos hipócritas de todas as cores. Escribas e fariseus... o reverendo só via na sua paróquia tipos desse naipe. E denunciava-os com a violência de um profeta de Israel. Ensaiou o sermão, e se as árvores tivessem ouvidos muito haveriam de espantar-se com a virulência daquela oratória sacra, para elas apontada, visto que só existiam árvores na floresta. Mas o silêncio ou a indiferença com que as árvores recebiam o ensaio geral do sermão deu ao padre uma vívida representação do que sucederia no próximo domingo, com a audiência humana que esperava ter.
— Seus paroquianos! Seu rebanho! — poderia falar-lhes como o fazia ali na floresta? Ousaria usar daquela sagrada indignação?
Já havia rezado muito, pedindo aos Céus que o guiassem no caminho certo para a solução da crise. Mas seria a virulência daquele sermão o caminho certo? O reverendo vacilava.
Calou-se. Dobrou os papéis e os meteu no bolso. Depois, com um suspiro que era quase um gemido, sentou-se ao pé de um tronco e escondeu o rosto entre as mãos.
Foi nessa atitude que Pollyanna, de volta para casa, o encontrou. Deu um grito ao vê-lo e correu-lhe ao encontro.
— Oh, Mr. Ford! O senhor também quebrou a perna? — interrogou, com angústia na voz.
O ministro tirou as mãos do rosto e tentou sorrir.
— Não, minha cara. Estou apenas descansando.
— Ah! — suspirou a menina, com alívio. — Que susto, meu Deus! O senhor sabe, Mr. Pendleton estava de perna quebrada quando o encontrei, mas achava-se deitado de costas. O senhor, agora vejo, está apenas sentado.
— Sim, estou sentado e não quebrei nenhuma perna... dessas que os doutores encanam...
Essas últimas palavras foram ditas em voz baixa e a custo a menina ouviu. Mas mesmo assim uma aurora de enternecida simpatia lhe iluminou as feições.
— Sei o que quer dizer, reverendo; alguma coisa séria o está aborrecendo muito. Meu pai costumava usar expressões dessas, quando se sentia angustiado. Os ministros... eu sei... sempre vivem angustiados. Tanta coisa sobre eles, os pobres!
O reverendo fitou-a com ar de surpresa.
— Seu pai foi ministro, Pollyanna?
— Sim, reverendo. Não sabia? Pensei que toda a gente soubesse. Ele era casado com uma irmã da minha tia Polly.
— Compreendo agora. É que estou aqui não faz muito tempo e desconheço toda a história das famílias.
Houve uma pausa comprida. O ministro, ainda sentado ao pé da árvore, pareceu esquecer-se da presença de Pollyanna. Tirara de novo uns papéis do bolso e olhava-os; mas absorto, com o espírito longe dali. Na verdade sua atenção estava sobre uma folhinha seca no chão, uma folhinha que morrera antes do tempo. Pollyanna compadeceu-se dele imensamente.
— Está... está fazendo um belo dia, não? — começou ela, de novo.
Não obteve resposta durante uns segundos; depois o ministro como que acordou de um sonho.
— Que disse? Ah, sim, o dia. Está um belo dia, sim.
— E não está nem um pouco frio, apesar de ser já outubro, não? — observou a menina, com mais esperança de resposta. — Mr. Pendleton acendeu hoje a chaminé, mas disse que nem era necessário. Só para ver as chamas. Eu também gosto de ver o fogo... e o senhor?
Desta vez não veio nenhuma resposta, por mais que a menina a esperasse. Por fim, desanimada, experimentou outro caminho.
— O senhor gosta de ser ministro, reverendo?
Desta vez o pastor ergueu os olhos.
— Se eu gosto? Que pergunta difícil de responder! Por que me fala sobre isso, menina?
— Nada. Por causa do seu estado... do seu modo de olhar. Meu pai tinha esse mesmo modo de olhar, muitas vezes.
— Sim? — foi tudo quanto respondeu o ministro, em tom polido, e os seus olhos desviaram-se de novo para a folhinha seca.
Pollyanna insistiu.
— Eu costumava perguntar-lhe como perguntei ao senhor... se gostava de ser ministro.
— E ele respondia? — indagou o reverendo, sorrindo com resignação.
— Oh, respondia sempre que sim; outras vezes, porém, declarava que não se conservaria ministro por um minuto, se não fossem os textos alegres.
— O quê? — e os olhos do reverendo deixaram a folhinha para fixarem-se no rosto contente de Pollyanna.
— Era como meu pai costumava chamar-lhes. A Bíblia, está claro, que não diz assim. Mas todos esses pedaços começam com "alegria", "Sê contente no Senhor", ou "Rejubila-te", ou "Salta de alegria" e por aí além... o senhor sabe mais do que eu. Uma vez papai esteve muito doente, para distrair-se na cama contou oitocentos pedacinhos desses.
— Oitocentos?
— Sim... oitocentos pedaços que mandam a gente ficar alegre. Era o que meu pai chamava de "os textos alegres".
Os olhos do ministro caíram sobre o papel que tinha nas mãos, o qual começava assim: "A maldição eterna desça sobre vós, escribas, fariseus e hipócritas!".
— Com que então seu pai só pensava nos textos alegres, hein? — murmurou ele.
— Sim. — afirmou Pollyanna, com ênfase. — Costumava dizer que se sentiu muito melhor desde o dia em que começou a catá-los na Bíblia. Também dizia que se Deus teve o trabalho de nos lembrar da alegria por oitocentas vezes é porque desejava que fôssemos alegres. E papai teve vergonha do tempo em que não era alegre. Passou a contentar-se com tudo e a ser muito feliz. E tirava dos textos um grande conforto, quando as damas da Auxiliadora começavam a brigar... isto é, quando entravam em desacordo— corrigiu-se a menina. — E foi por causa desses textos que meu pai inventou o "jogo do contente"... pelo menos dali tirou a ideia. As muletinhas só serviram de pretexto.
— E como é esse jogo? — perguntou o ministro.
— Consiste em encontrar em tudo um pretexto para ficar contente, como no caso das muletinhas.
E uma vez mais Pollyanna contou aquela história... desta vez feita a um homem que a atendeu com toda a paciência, com ternura nos olhos e uma grande compreensão na alma.
Logo depois desciam ambos o morro, de mãos dadas. O rosto da menina irradiava. Como gostasse muito de falar, vinha contentíssima de ter podido falar à grande. Aquele assunto do jogo era na realidade inesgotável.
No sopé da colina tiveram de despedir-se; Pollyanna tomou um caminho e o ministro, outro.
Ao chegar à sua casa o ministro foi para o escritório, onde se pôs a refletir. Sobre a mesa estavam muitas folhas de papel manuscritas... as notas para o próximo sermão. Mas o ministro não estava pensando nem no que havia escrito, nem no que pretendia escrever. Estava pensando num ignorado missionário de uma cidadezinha do Oeste, pobre, doente, atribulado e quase só no mundo... mas que percorria a Bíblia inteira para contar quantas vezes o Senhor lhe havia dito de "rejubilar-se e ficar contente".
Depois de algum tempo, com um suspiro profundo, o reverendo Paul Ford ergueu-se e voltou da cidadezinha do Oeste para aquela em que morava. Ia começar a escrever o novo sermão. Nisto seus olhos caíram sobre um magazine que a esposa deixara aberta sobre a mesa. Leu por acaso um parágrafo; leu outro... e acabou lendo tudo.
"Um pai, certa vez, disse ao seu filho Tom, que se havia recusado a encher a caixa de lenha para sua mãe, pela manhã: "Tom, estou certo que você sentirá prazer em juntar um pouco de lenha para sua mãe.". Tom, sem dizer uma palavra, retirou-se e trouxe a lenha. Por quê? Justamente porque seu pai deu a entender de modo claro que esperava dele uma ação boa. Suponham que esse pai dissesse: "Tom, ouvi dizer que você se recusou a trazer lenha para sua mãe e estou envergonhadíssimo de semelhante procedimento. Vá já e encha a caixa.". Eu garanto que a caixa de lenha estaria sem nada dentro até agora.".
O ministro leu isso, e logo adiante leu outro pedaço assim:
"O que as criaturas querem é encorajamento. Em vez de censurar constantemente os defeitos de um homem, falai as suas virtudes. Procurai tirá-lo da senda dos maus hábitos. Sustentai, fortificai o melhor do seu eu, a parte boa que não ousou ou não pôde ainda manifestar-se. A influência de um belo caráter é contagiosa, e pode revolucionar uma vida inteira... As criaturas irradiam o que trazem no cérebro e no coração. Se um homem se mostra gentil e serviçal, os seus vizinhos pagarão na mesma moeda e com juros... Quem procura o mau, esperando encontrá-lo, certo que o encontra. Mas quando alguém procura o bom, certo de encontrá-lo, encontra o bom... Dize ao teu filho Tom que sabes que ele ficará contente de encher a caixa de lenha para sua boa mãe... e veja como Tom parte satisfeito e interessado no serviço."
O ministro deixou cair o magazine e pôs-se a medir passos pela sala, de mãos às costas. De quando em quando suspirava, e por fim sentou-se de novo à mesa.
— Deus que me ajude... vou tentar! — exclamou, animadamente. — Direi aos meus Toms que sei que eles ficarão muito contentes de encherem a caixa de lenha. Dar-lhes-ei trabalho a fazer e os deixarei tão cheios de alegria que não terão tempo de olhar para a caixa de lenha dos vizinhos.
Em seguida tomou as notas já escritas, rasgou-as e lançou-as para o ar, de modo que no chão, de um lado da cadeira, se podia ler: "A maldição eterna desça sobre vós..." e do outro lado: "... escribas, fariseus e hipócritas!", enquanto sobre o papel em branco sua pena ia traçando os primeiros parágrafos do novo sermão.
Foi assim que o reverendo Paul Ford pronunciou no domingo um sermão famoso, verdadeiro toque de clarins em apelo ao que havia de melhor no imo de cada homem, de cada mulher, de cada criança que o ouviu. Não era mais o ministro antigo... Pollyanna tinha feito nascer um outro, que se sentia feliz e pregava felicidade aos ouvintes surpresos. 

Esse foi o 22° capítulo!
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