— Lá está tia Polly na janela! — exclamou a menina. — Sumiu-se... ou foi engano dos meus olhos?
— Não está lá mais agora. — disse o doutor... e em seu rosto estampou-se uma vaga tristeza.
Pollyanna encontrou Mr. Pendleton muito nervoso, quando foi vê-lo à tarde.
— Pollyanna, — começou ele, sem preâmbulos. — estive parafusando toda a noite sobre o que disse ontem a respeito de Miss Polly e quero que me explique o que há.
— Ora, o que há? Sei que o senhor e ela já foram antigamente namorados e estou fazendo tudo para que se tornem namorados de novo.
— Namorados? Eu e Miss Polly?
O tom de surpresa daquela interrogação fez Pollyanna arregalar os olhos.
— Pois foi o que Nancy me provou. — contraveio a menina.
O homem disparou numa risada gostosa e depois disse:
— Bem, bem! Mas sinto muito ter de declarar que essa Nancy está mal-informada.
— Quer dizer que não foram namorados? — indagou a menina, com voz trágica de decepção profunda.
— Nunca!
— Então não é exatinho como num romance?
Não houve resposta. Os olhos do homem estavam pensativamente fixos nos longes da paisagem vista da janela.
— Oh, meu caro! — suspirou Pollyanna. — Tudo ia indo tão magnificamente... e eu, tão satisfeita de vir para aqui com a tia Polly...
— E sem ela não vem?
— Não posso. Bem sabe que sou de tia Polly.
O homem mudou de expressão e foi com quase ferocidade que disse:
— Antes que você fosse de Miss Polly, você foi da sua mãe... e... e foi a mão e o coração da sua mãe, Pollyanna, que eu sempre almejei.
— Minha mãe! — exclamou a menina, com os olhos desmesuradamente abertos.
— Sim, sua mãe. Eu não queria contar isto, mas não há remédio. — confessou John Pendleton, com infinita tristeza e falando com dificuldade. — Amei sua mãe, Pollyanna, — continuou. — mas não fui correspondido e de repente lá se foi o meu sonho para outras terras, casada com outro homem... seu pai, Pollyanna. Um desastre para mim. O mundo inteiro apareceu-me coberto de sombras e... mas não importa. Basta que saiba que desde aí tornei-me solitário, grosseiro, esquisitão, desagradável e assim envelheci, ou quase, pois ainda não tenho sessenta anos. Afinal, um belo dia, surge-me na vida uma menina, que vem irisar-me por dentro, qual prisma atravessado pelos raios de Sol. Descobri depois quem era essa menina e intentei nunca mais vê-la para não reavivar o que sentira por sua mãe... mas esse projeto você bem sabe como falhou. E agora sonho tê-la aqui para sempre. Diga-me, Pollyanna, quer morar comigo?
— Mas, Mr. Pendleton, eu... eu não me governo. Sou de tia Polly, já disse.
Seus olhos estavam marejados de lágrimas.
— Tia Polly! E eu não sou nada? Como quer que eu fique contente com tudo se me abandona? Saiba, Pollyanna, que só depois que você entrou em minha casa é que comecei a viver. E se eu a tivesse aqui como filha, oh, então ficaria contentíssimo de viver... contente de tudo, tudo! E não haveria um desejo seu, Pollyanna, que não fosse satisfeito. Toda a minha fortuna, até o último centavo, seria empregada em fazê-la feliz.
A menina mostrou-se chocada.
— Além disso, uma pessoa com tanto dinheiro não precisa de mim para ficar contente a respeito de tudo. O senhor pode, com esse dinheiro, fazer muitas pessoas felizes... e não escapará de ficar contente. Não foi assim com os prismas de cristal que deu a Mrs. Snow e a moeda de ouro que deu a Nancy?
— Sim, sim, não tem importância. — interrompeu o homem, que jamais fora conhecido como amigo de dar. — Mudei... estou mudado, e tudo por sua causa, Pollyanna! Quem deu a elas essas coisas não fui eu, foi você. Sim, você. — insistiu ele, vendo a expressão negativa da menina. — E isso só prova como necessito de sua presença ao meu lado. Para que eu possa jogar o jogo do contente só há um meio, Pollyanna, é que você venha jogá-lo aqui comigo.
A menina estava cada vez mais atrapalhada.
— Tia Polly tem sido boa para mim! — começou, mas foi interrompida bruscamente. A velha irritação de Pendleton estampava-se de novo em seu rosto.
— Sem dúvida que foi boa para você, mas Miss Polly não necessita de você, Pollyanna! Nem metade do que necessito eu. Compreenda isto.
— Ela anda contente, sim, de ter-me lá...
— Contente! — interrompeu o homem, com a paciência já exausta. — Aposto que Miss Polly nem sonha o que é estar contente... de coisa nenhuma. Só conhece e pratica o dever. É a escrava do dever. Já tive no passado a experiência desse tal dever. Confesso que fomos em tempo grandes amigos, isso durante quinze ou vinte anos. Conheço-a bem. Todos aqui a conhecem. Não é do tipo "contente", não, Pollyanna. É do tipo "dever". Fale-lhe nisso, de vir ser minha filha, a ver o que ela diz. Oh! Minha amiguinha, eu necessito tanto, tanto da sua presença aqui.
Pollyanna soluçava.
— Está bem. Falarei com tia Polly. — respondeu, pensativamente. — Eu não digo que não goste de viver aqui com o senhor, Mr. Pendleton, mas... — e Pollyanna fez uma pausa de instantes; depois: — Em todo o caso estou contente de ainda não ter dito à tia Polly coisa nenhuma do que se passou, porque então ela...
John Pendleton sorriu com amargura.
— Bem, Pollyanna. Foi bom que nada dissesse.
— Apenas disse-o ao doutor, porque médicos são médicos.
— Ao doutor Chilton? — perguntou Pendleton, voltando-se de brusco.
— Sim, quando ele veio dizer-me que o senhor me queria ver hoje.
O homem recaiu sobre a poltrona e, muito atento, indagou:
— E que fez o doutor Chilton?
— Nem me lembro mais. — respondeu a menina, franzindo a testa num esforço para recordar-se. — Ah! Disse que podia agora compreender a sua ânsia em que eu viesse hoje cá.
— Hum, disse isso! — resmungou Pendleton... e Pollyanna não pôde interpretar a expressão do seu rosto. ☁☀☁
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